Revirando uns arquivos em casa, encontrei essa resenha que havia sido elaborada para o manual do vestibular da Casper de 2007. Como mudaram as indicações dos filmes, acho que possa deixá-la por aqui:
Cidade de Deus
O filme de Fernando Meirelles e Kátia Lund, baseado em livro homônimo de Paulo Lins, segue uma trajetória clássica de adaptações de obras literárias para o cinema. A opção dos diretores em concentrar a trama nos personagens ligados ao tráfico naquele conjunto habitacional foram certamente polêmicas. O título Cidade de Deus parecia “pegar carona” no sucesso do livro. Feitas as opções pelos diretores e com a participação do próprio Paulo Lins no roteiro, o filme procura representar a trajetória da marginalidade por gerações e transformações urbanas pelas quais passou a Cidade de Deus. No filme, o sub-universo da marginalidade local mantém estreito contato com a comunidade, pois seus membros são ali recrutados e com ela estabelece contraditórias relações de poder e assistência.
O conjunto habitacional Cidade de Deus já foi objeto de um estudo antropológico (A Máquina e a Revolta de Alba Zaluar), tornou-se obra literária (Cidade de Deus de Paulo Lins) e cinematográfica. Em todos esses gêneros a questão social está sempre presente. Histórias que poderiam ser tratadas simplesmente como “casos de polícia” transformam-se em pequenas revelações sobre políticas de urbanização mal-sucedidas e autoritárias, a dificuldade para escapar dos limites do universo imposto pela pobreza e a necessidade que seus moradores têm de produzir “táticas” cotidianas de convivência com a insegurança (alimentar, mercado de trabalho, transporte, policial, o mercado das drogas etc.). Entre essas táticas encontra-se uma rica produção de espaços de sociabilidade e redes de assistência mútua entre moradores.
Gostaria de destacar um aspecto talvez pouco abordado nas análises do filme. A questão urbana e a sua relação com a pobreza. Cidade de Deus é o produto de uma política habitacional do governo Lacerda entre os anos de 1962 e 1965 (criação da COHAB, COCEA, extensão da Estrada de Ferro Central) que resultou na construção de quatro grandes conjuntos habitacionais no Rio de Janeiro: Vila Aliança, Vila Esperança, Vila Kennedy e Cidade de Deus. Esse projeto era apoiado pela política externa americana conhecida como Aliança para o Progresso.
A transferência das famílias para esses conjuntos habitacionais foi marcada por uma série de “ações” polêmicas, improvisadas e mal explicadas: incêndios (considerados criminosos) de favelas, deslocamentos “provisórios” de vítimas de enchentes em 1966, deslocamento de moradores de diversas favelas com a conseqüente ruptura de seus antigos laços comunitários (escolas de samba, times de futebol, associações etc.). A Cidade de Deus chegou a reunir moradores oriundos de até 63 favelas da Zona Sul do Rio.
As personagens do filme Cidade de Deus movem-se em um universo social muito complexo e os diretores optaram por certo núcleo dramático muito particular do mesmo (o tráfico). Essa escolha, que de alguma forma é inevitável em adaptações, é capaz de revelar muitas das experiências desses moradores, mas oculta, também, uma série de outras.
Em 2007, os jogos Pan-Americanos chamaram atenção novamente para a Cidade de Deus. O conjunto habitacional localiza-se entre Jacarepaguá e a Barra da Tijuca, local em que se encontra a vila do Pan. A levantadora de peso, Liliane Menezes, que é moradora do conjunto, colocou na agenda dos jogos a sua existência
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