terça-feira, 10 de junho de 2008

"Adeus, Lênin" e a microfísica dos signos

Esta é outra resenha que fiz para o manual do Vestibular de 2007. Inspirado em reflexões do interacionismo simbólico (Escola de Chicago) e uma pequena deferência à microfísica do poder (Foucault)

Adeus, Lênin!
O filme de Wolfgang Becker coloca em questão a queda do muro de Berlim a partir de um drama familiar. Macro-aspectos da vida política da então República Democrática Alemã são traduzidos em micro-aspectos da vida cotidiana de uma família a partir de um acontecimento inesperado : um infarto ou um acidente vascular com a mãe do jovem Alexander (personagem principal), faz com que ela entre em coma justamente no momento em que o Muro de Berlim “cai”. O fato inesperado apresenta ao espectador uma verdadeira “revolução” no cotidiano dos moradores da RDA. Tanto que se alguém ficasse algum tempo desacordado não conseguiria mais reconhecer o mundo para o qual retornou.
O humor, a delicadeza e a sensibilidade do diretor são muito claros pelas suas escolhas. O comunismo é visto de um ponto de vista afetivo e sensorial e não propriamente pelos seus aparelhos de Estado. Sendo obrigado a evitar que sua mãe, comunista “ortodoxa” e recém saída do coma, sofra um novo choque que a leve a morte, o jovem Alexander procura reconstruir desesperadamente um universo de signos comunistas que lhe garantiriam uma identidade e um sentido na vida. A perda de vínculos com o mundo que conhecia e amava, à sua maneira, poderia ser uma perda de vínculos com a própria vida. Nesse processo, o jovem é obrigado a mentir das mais variadas formas, o que torna a história muito interessante. Duramente, ele descobre que não era o único a fazê-lo.
É importante notar como o comunismo está representado por sua mãe e pelos dramas de seu universo familiar e não por qualquer cartilha ideológica do partido ou propaganda.
Trata-se de um filme sobre a “verdade”, a representação midiática, um universo de signos que circulam e dão sentido ao nosso mundo e a percepção das múltiplas temporalidades da nossa existência (a da Nação e da família p.x.). Certas passagens são metalingüísticas como a produção de um telejornal (uma bela discussão sobre gêneros televisivos no bloco comunista) ou a conversa com um amigo recém transformado em “videomaker” que em uma cena de casamento cita Kubrick (2001: Uma odisséia no espaço) ou em referência e reverência do diretor ao mesmo Kubrick simula a arrumação do quarto com a câmera acelerada (Laranja Mecânica).
Parafraseando o filósofo francês Michel Foucault, estamos diante de uma microfísica dos signos cotidianos, que se constroem entre “nós” e fazem uma série de mediações (muitas vezes contraditórias) entre a vida cotidiana e o sistema político, seja ele qual for.

Um comentário:

descompassada disse...

e de temporalidades em temporalidades, a realidade é expressa... assim como os anos que tomaram aquela mente. a vida é um querer descontinuar-se para continuar-se.